top of page

Pagode em Uberlândia: Memória, Música e Mercado

Atualizado: 11 de mai.

Trajetória do pagode na cidade, desde sua explosão nos anos 1990 até os desafios e reinvenções enfrentados no cenário atual.


Por: Leonardo Xavier



“O pagode nada mais é que uma reunião para se cantar samba”, conta Péricles, cantor e compositor. Ainda hoje, há uma dúvida pertinente para muitos — “Qual é a diferença entre pagode e samba?”. Para sanar de vez essa dúvida, é importante entender a origem do pagode como conhecemos atualmente.


Para compreendermos a origem do estilo musical, precisamos voltar ao século XIX. Segundo o Documentário “A verdadeira história do Samba”, produzido por Huber Niogret em 1987, Durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), diversos homens negros escravizados que estavam na Bahia foram forçados a servir no exército. Com isso, no fim da Guerra, alguns não queriam voltar para a Bahia e decidiram instalar-se no Rio de Janeiro.


Na década de 1910, naquele estado, foi construído um dos bairros centrais da cidade, o Cidade Nova. Lá, havia diversas vilas, locais onde os migrantes reconstruíram suas vidas. Foi em uma das casas desse bairro que o samba nasceu. O nascimento se deu na casa da Tia Ciata, mulher negra, baiana, candomblecista e curandeira. A casa de Tia Ciata foi fundamental para a criação do samba, pois, nos anos 10 do século passado, pós-abolição da escravatura, todo e qualquer movimento coletivo negro era repreendido, e foi apenas na casa dela que esses povos marginalizados conseguiram expressar sua cultura, religião e costumes de forma livre.


Tia Ciata é considerada por muitos a matriarca do samba. Por: Reprodução/Primeirosnegros.com
Tia Ciata é considerada por muitos a matriarca do samba. Por: Reprodução/Primeirosnegros.com

A criação do primeiro samba, momento marcante para a história da música brasileira, ocorreu no quintal da casa da Tia Ciata. “Pelo Telefone” foi patenteado em 1916, por Donga. A criação da canção, porém, foi coletiva, contando com participações de João da Baiana, Pixinguinha, Caninha, Hilário Jovino, Tia Ciata, Sinhô, entre outros. Donga assumiu a autoria da música com a justificativa de “Música é igual passarinho, de quem pegar primeiro”, o que acabou gerando controvérsias na época.


Ao longo dos anos, o samba foi reinventado com a criação de novos subgêneros como: samba-canção - samba mais melódico e lento, focado em letras de amor; samba-exaltação - vertente criada em 1939, com a música “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso, focada em exaltar algo ou alguém; samba-enredo - é um samba temático, gênero muito usado nas escolas de samba; samba-rock - vertente criada em São Paulo, gerada a partir de algumas misturas de estilos musicais, tendo, além do samba e do rock, já presente no nome, recebido influências da bossa-nova, do funk e soul americano; samba de partido-alto - vertente do samba caracterizada pela improvisação nas letras, pelas respostas rápidas do grupo e por uma batida muito marcada do pandeiro e do tantã.


Segundo o artigo “A ascensão do pagode romântico de 1990 e as implicações nas relações de afeto da negritude”, escrito por Nágila Macedo Pires Renato Cândido de Lima, o pagode, foco desta reportagem, surgiu como estilo musical entre os anos 1970 e 1980, em rodas de fundo de quintal no Rio de Janeiro. Dessas rodas, surgiram grandes nomes como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Jovelina Pérola Negra e Leci Brandão. Entretanto, o termo pagode se originou muito antes dos anos 1970. O termo era utilizado para se referir a uma confraternização em que se tocaria samba. Mantendo-se ao longo dos anos, a expressão “vou ir pro pagode” é, ainda hoje, utilizada para se referir às festas que contam com uma roda de samba. O pagode, como estilo musical, se iniciou como uma revolta à indústria mercadológica, que tendenciou adaptações do samba para caber em uma nova roupagem, mais lucrativa e massiva, como é o caso do samba-rock. Os sambistas queriam recuperar o antigo samba, mais autêntico e raiz, e assim se originou o pagode raiz, nas rodas de quintal e com letras de samba elaboradas a partir do improviso.


Expressão cultural 


O pagode é uma expressão cultural brasileira que nasceu da vivência popular, principalmente das comunidades negras e periféricas urbanas, e se expandiu como uma forma de identidade, sociabilidade e resistência. Muito mais do que apenas um termo ou gênero musical, o pagode articula música, linguagem, modos de vestir, formas de lazer e afirmação de pertencimento.


Como expressão cultural, fala direto do dia a dia — amor, amizade, saudade, superação, alegria e também sofrimento — tudo de um jeito simples e cheio de emoção, que tem muito a ver com a vida de quem nem sempre se via nas formas tradicionais de cultura. Além da música, o pagode também tem um estilo próprio: camisetas de time, bonés, cordões dourados e, nas versões mais atuais, o visual mais “social ostentação”. Sem contar o jeito de falar, cheio de gírias e expressões que reforçam a identidade de quem vive essa cultura. 


Pagode em Uberlândia nos anos 1990


“Entre 1992 e 1993, Uberlândia tinha cerca de 150 a 200 grupos de pagode”, relata Victor Hugo, radialista da Rádio Universitária há mais de 37 anos. Ele atua na emissora desde sua inauguração, em 1987. Lá, propôs uma programação de samba aos sábados, que, na época, fez sucesso entre os ouvintes da cidade. “O telefone, que não tocava, explodiu”, conta.


Com pouca variedade de discos, Victor Hugo tinha que repetir as músicas todo sábado. Diante dessa situação, decidiu inovar, convidando grupos de pagode — na época, eram apenas três: Coisa Nossa, Tempero de Quintal e Boca a Boca — para fazer uma roda de samba ao vivo. Essa iniciativa foi bem aceita entre os ouvintes e, com a repercussão do programa, novos grupos de samba começaram a surgir em Uberlândia. Inclusive, alguns foram criados apenas com o objetivo de participar do programa de Victor Hugo. Um deles foi o Só pra Contrariar, que explodiu no Brasil no início dos anos 1990.


Após o sucesso nacional de Só pra Contrariar, ocorreu uma mudança na dinâmica da maior cidade do Triângulo Mineiro. Uberlândia passou a ter diversos bares de samba, além de um aumento significativo no número de grupos de pagode e samba. “Modéstia à parte, o ‘Roda de Samba’ teve grande influência nessa mudança de cenário.” Porém, como toda ‘onda musical’, uma hora essa onda diminui.


“Foi em volta dessa mesa que o grupo ‘Só pra contrariar’ nasceu”, relembra Vitor Hugo com nostalgia. Foto: Arquivo pessoal.
“Foi em volta dessa mesa que o grupo ‘Só pra contrariar’ nasceu”, relembra Vitor Hugo com nostalgia. Foto: Arquivo pessoal.

Cenário atual do pagode 

“O sertanejo vem como um tsunami levando tudo”, conta Victor Hugo ao pensar sobre o cenário do pagode pós-anos 1990. Em Uberlândia, a popularização do pagode iniciou-se nessa década e teve seu fim em 1998, dando lugar ao sertanejo, estilo que se mantém no gosto de alguns uberlandenses até os dias de hoje.


Hudson Alves, mais conhecido como Hudz, é integrante do grupo Sambarylove — criado por ele e seu irmão em 2018. Atualmente, o grupo está presente na cena de pagode local. “Graças a Deus, hoje não é só mais o sertanejo em Uberlândia”, conta. Na cidade, existem bares que fomentam a cultura do pagode de segunda a segunda. Além disso, alguns grupos estão em ascensão, como o Sambarylove e o Samba&Elas.


“Uberlândia vive um cenário de saturação de grupos de pagode”, conta Hudz. Devido à alta quantidade de bandas, os contratantes acabam oferecendo valores abaixo do padrão na hora de negociar os shows. Alguns grupos, por necessidade, acabam aceitando essas propostas, o que gera a desvalorização do trabalho. “Tem banda que aceita tocar por R$ 500, mesmo tendo oito integrantes, aí, cada um acaba ficando com menos de R$ 100 por show”, relata Hudz.


De acordo com Hudz, o cenário atual do pagode em Uberlândia é mais promissor que há dez anos, com mais espaços que fomentam o estilo e a cultura e com mais pessoas envolvidas, consumindo e produzindo pagode. Contudo, ainda existem desafios, como a desvalorização dos artistas, causada pela grande oferta.


O grupo Sambarylove é sucesso entre os universitários. Foto: Arquivo pessoal
O grupo Sambarylove é sucesso entre os universitários. Foto: Arquivo pessoal









 
 
 

Comments


Logo UFU

 

© 2025 Por Leonardo Xavier, João Pedro Mesquista e Ramon de Oliveira

O blog é um projeto interdisciplinar do 2° Período do curso de Jornalismo

 

bottom of page