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Mulheres desafiam o domínio masculino no pagode e exigem reconhecimento no palco

Mesmo com casas lotadas e shows animados, artistas ainda enfrentam dificuldades para conquistar espaço de forma definitiva.

Por Ramon de Oliveira.

Vamos ser diretos: quantas mulheres você ouve quando abre sua playlist de pagode? Demorou um pouco para pensar, não é? Isso porque, apesar do pagode nunca ter saído de moda e, nos últimos anos, ter voltado com força total, o espaço para vozes femininas ainda é limitado. Desde o começo, a trajetória das mulheres no gênero sempre foi marcada por desafios que atravessam gerações e continuam até hoje


Lá nos anos 1930, Aracy de Almeida já se destacava como a primeira grande cantora de samba, abrindo caminho para muitas que vieram depois. Depois veio Clementina de Jesus, descoberta aos 60 anos, e que, com sua voz potente, abriu espaço para que outras chegassem. E mesmo agora, em pleno 2024, os obstáculos continuam, e as mulheres seguem firmes na luta por reconhecimento em um cenário ainda dominado quase totalmente pelos homens.


Em Uberlândia, um grupo criado no início de 2024 vem ganhando cada vez mais espaço. O Samba&Elas, formado por três artistas talentosas da cidade, é uma dessas vozes femininas que buscam firmar e consolidar seu lugar na cena. O grupo conta com duas vocalistas talentosas, Nathaly e Bruna Gonzaga, e com Beatriz Gonçalves, que não só canta como também comanda boa parte dos instrumentos. Juntas, elas são hoje a cara do pagode uberlandense.




Nathaly e Bruna são primas e vocalistas do grupo - Foto:Instagram
Nathaly e Bruna são primas e vocalistas do grupo - Foto:Instagram


SAMBA & ELAS


Segundo Nathaly, a ideia do grupo surgiu durante um encontro inusitado e cheio de coincidências. Por acaso, ela e Bruna, foram chamadas para cantar juntas no mesmo palco pela primeira vez. Foi daí que nasceu a vontade de criar um grupo de pagode feminino, um desejo antigo do público, mas que, até então, ninguém tinha atendido.


O Samba&Elas é um grupo jovem, e junto com elas, outros coletivos femininos começaram a surgir aqui e ali. Mas ainda está longe de ser um número ideal ou suficiente. O pagode segue sendo um espaço majoritariamente masculino. "Não é uma coisa que a gente pode culpar alguém específico. Eu acho que é por conta da cultura como um todo. Não tem tanto assim uma mulher que ocupe esses espaços. Até tem, mas não o bastante. Hoje em dia até aparecem mais vozes femininas no pagode, mas quando você vê quem está cantando mesmo, normalmente é mais o homem", destaca Bruna


E isso não acontece só no pagode — é uma realidade que se repete na maioria dos gêneros musicais. Beatriz, além de integrar o grupo, também é estudante de música e está no 6º período da Universidade Federal de Uberlândia. Ela aponta: "Conforme o samba foi crescendo, tinham, por exemplo, nomes como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, mas também tinha a Bete Carvalho, Dona Ivone Lara. E como o pagode foi um subgênero do samba que surgiu ao longo do tempo, é um processo meio natural de começar normalmente com os homens. Provavelmente teve alguma mulher também que foi importante no início do pagode. Então, é mais como a nossa sociedade é estruturada, e não algo do gênero em si.”


O PASSADO DO PAGODE


De fato, antes de grupos como o Samba&Elas surgirem, outras mulheres fortes e determinadas tiveram que pavimentar esse caminho. Quando o assunto é sucesso no passado, os primeiros nomes que surgem na memória são os gigantes do samba, como Zeca Pagodinho e Jorge Aragão. No entanto, poucos se lembram de imediato da figura fundamental que abriu caminho para esses artistas brilharem, a mulher que os lançou no cenário musical e mudou para sempre a história do gênero. Beth Carvalho — a "madrinha do samba" — nomes como o dela foram essenciais para dar visibilidade e valorizar o gênero.


Beth não foi apenas uma cantora consagrada, mas realmente uma madrinha visionária. Lançou grandes nomes como o próprio Zeca Pagodinho, o grupo Fundo de Quintal e tantos outros que hoje são ícones do samba e do pagode. Além dela, Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores da escola de samba Império Serrano e assinou composições que se tornaram clássicos eternos. Foi Dona Ivone quem abriu portas importantes para que mais mulheres fossem reconhecidas não apenas como intérpretes, mas também como criadoras. Outro nome de peso é Jovelina Pérola Negra, que contribuiu para a popularização e consolidação do pagode, sendo uma das primeiras mulheres a conquistar reconhecimento dentro do circuito do pagode — e não apenas no samba mais tradicional e antigo. Esses são apenas alguns dos grandes nomes importantes que deram início a esse movimento, mas existem vários outros que lutaram e resistiram pelo espaço que mereciam. Foram esses nomes que marcaram gerações inteiras, que moldaram a identidade rica e plural do samba e do pagode que conhecemos hoje.


Jovelina Pérola Negra - imagem: Reprodução
Jovelina Pérola Negra - imagem: Reprodução


O QUE DEVE MUDAR?


Como dá para ver, as mulheres já estão ganhando seu espaço e, cada vez mais, vêm encantando, emocionando e lotando as casas de show por todo o país. Mas algumas coisas ainda precisam mudar para essa cena se tornar mais justa e equilibrada, e essa transformação vai muito além do talento feminino — ela passa por uma mudança de postura do público, dos festivais, da mídia e de todo mundo que está envolvido nessa cadeia musical. O público precisa seguir, compartilhar, dar moral e apoiar os grupos femininos com mais consistência. Isso, por si só, já abre portas que antes pareciam trancadas. Hoje, muitos ainda vão ao pagode só para se divertir — e não está errado, claro: beber sua cerveja, escutar as cantoras, curtir o momento.


Mas, no fim da noite, não sabem de quem era a música ou sequer quem estava no palco. Falta ainda uma valorização maior, principalmente para os grupos que estão começando agora. Afinal, não é fácil se manter no mundo da música, exige esforço, trabalho, persistência, Esses grupos ainda enfrentam dificuldades concretas como cachês baixos, menos visibilidade e a constante falta de espaço nos grandes festivais e eventos. Porque não é só ter talento — é ter a chance de mostrar esse talento. É ser ouvido, e ser reconhecido.


Mas, mesmo assim, elas seguem fazendo sua parte com dedicação, tocando, lotando bares, conquistando fãs e mostrando que o pagode já tem, sim, uma voz feminina. O que falta agora é o reconhecimento que essas artistas merecem.


E você, já deu play nelas hoje? Quer ouvir mais mulheres no pagode? Veja algumas dicas para sua playlist:


  • Grupo Moça Prosa — Mulheres do Rio de Janeiro fazendo samba desde 2012 com muito estilo.


  • As Donas da Roda — Há mais de seis anos, levando o melhor da música brasileira e, em especial, o samba com mulheres instrumentistas incríveis!


  • Samba de Dandara — Samba de empoderamento, de exaltação às mulheres, sambistas, às guerreiras do samba que mantêm a chama acesa.


  • Samba&Elas — Um grupo de pagode feminino de Uberlândia que está conquistando o público e cada vez mais ganhando seu espaço.


 
 
 

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© 2025 Por Leonardo Xavier, João Pedro Mesquista e Ramon de Oliveira

O blog é um projeto interdisciplinar do 2° Período do curso de Jornalismo

 

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